Penhora de Imóvel Fiduciário: Duas vertentes de Entendimentos no STJ

Os débitos condominiais possuem caráter ambulatórios (propter rem), pois são obrigações que derivam da existência da coisa/imóvel, e não da pessoa do proprietário. Em outras palavras, a responsabilidade de cumprir as obrigações propter rem acompanha o próprio bem, independentemente de quem seja o proprietário. Isso significa que, ao transferir a propriedade do bem, a obrigação associada a ele é transmitida automaticamente ao novo proprietário.

No tocante aos débitos condominiais, a natureza propter rem encontra guarida no art. 1.345 do CC/2002, o qual dispõe que “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”. Portanto, por força do referido dispositivo legal, o titular do direito real é responsável sobre os débitos condominiais simplesmente por estar-se nessa posição jurídica.

A doutrina diferencia as obrigações propter rem das obrigações comuns (dar, fazer, não fazer, etc.), em razão de as últimas não poderem ser transmitidas automaticamente. Isso porque, a transmissão automática é característica peculiar e exclusiva das obrigações propter rem, na medida em que o adquirente do direito real não pode se recusar a assumi-las.

No sistema jurídico brasileiro existe a possibilidade da cobrança de débitos condominiais não pagos por meio da ação de execução. Sabe-se o Código de Processo Civil/2015 prevê nas ações de execução o procedimento de penhora, a fim de garantir o cumprimento de uma obrigação. A penhora é a constrição judicial de bens do devedor como garantia para o pagamento da dívida. Esse procedimento visa assegurar que, em caso de inadimplência, os credores tenham meios para satisfazer a obrigação através da venda dos bens penhorados.
A penhora em ações de execução é uma forma de tornar efetiva a decisão judicial, garantindo que o credor tenha meios tangíveis para receber o que lhe é devido. Os bens penhorados podem incluir propriedades, veículos, contas bancárias ou outros ativos do devedor. Esse processo busca equilibrar os interesses do credor em receber o pagamento devido e os direitos do devedor, garantindo que a execução ocorra de maneira justa e dentro dos limites legais estabelecidos.

Contudo, em se tratando de execução que visa a cobrança de débitos condominiais não pagos pelo devedor fiduciante pergunta-se: seria possível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente à luz do que decidiu o STJ no julgamento do REsp n. 2.036.289/RS e REsp nº 2.059.278/SC.

Primeiramente, cumpre esclarecer que no REsp n. 2.036.289/RS, de relatoria da ministra Nancy Andrighi da Terceira Turma, o entendimento foi unanime no sentido de impenhorabilidade do imóvel alienado fiduciariamente na execução condominial que visa a cobrança de débitos não pagos pelo devedor fiduciante. A ministra fundamenta que o art. 1.345 do CC/2002 prevê que as despesas condominiais são de responsabilidade do titular do direito real, em regra, o proprietário. Além disso, tal dispositivo não estabelece que o imóvel deve ser penhorado em toda e qualquer hipótese para pagar as referidas despesas. Em contrapartida, o art. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 confere ao devedor fiduciante a responsabilidade de pagar as despesas condominiais, enquanto estiver na posse direta do imóvel alienado fiduciariamente.

Contudo, embora o devedor fiduciante tenha a posse direta da coisa imóvel, ele não é proprietário do bem, e só passaria a ser após o adimplemento das obrigações ajustadas no contrato de alienação fiduciária. Por esta razão, no ponto de vista da maioria dos ministros que votaram por ocasião do REsp 2.036.289/RS, o imóvel não pode ser penhorado na execução condominial por falta de pagamento pelo devedor fiduciante, em razão de constituir o patrimônio do credor fiduciário, restando ao condomínio somente a possibilidade de penhorar os bens e direitos integrantes do patrimônio do devedor fiduciante, no qual não está incluído o imóvel, mas está o direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária (art. 1.368-B, caput, do CC/2002), que pode ser penhorado por expressa previsão normativa no art. 835, XII, do CPC/2015.

De outro turno, no julgamento do REsp nº 2.059.278/SC, de relatoria do ministro Marco Buzzi da Quarta Turma, o entendimento foi fixado no sentido oposto, para dar provimento ao recurso especial e permitir que ocorra a penhora do imóvel que originou a dívida em ação de execução de débitos condominiais, ainda que ele esteja alienado fiduciariamente, em razão da natureza propter rem do débito condominial, inserta no art. 1.3045 do CC/2002. No entanto, destacou os ministros a necessidade de promover a citação não só do devedor fiduciante como também do banco (credor fiduciário).

Após o pedido de vista do ministro Raul Araújo, prevaleceu o entendimento segundo o qual não pode ser conferida ao credor fiduciário imunidade contra a dívida condominial, pois existem direitos maiores que aqueles que tem qualquer propriedade. Em outras palavras, a natureza propter rem da obrigação condominial, deve se sobrepor aos direitos do credor fiduciário, sob pena de se conceder a este um tratamento especial, fazendo com que a responsabilidade recaia injustamente sobre os demais condomínios, os quais não possuem relação jurídica com o bem.

Ao que tudo indica essa questão está longe de ser resolvida, pois não há uma jurisprudência unanime e consolidada pelo Tribunal, o que gerará ainda muitas controversas sobre o tema.

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